A votação que vai decidir se Espanha
terá um lugar no Conselho de Segurança da ONU realiza-se, por uma ironia da
história, a 16 de outubro. Esse dia constitui o aniversário do importantíssimo parecer
do Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas sobre o Sahara Ocidental.
E este será um dos temas, para não dizer "O TEMA” em que a Espanha mais teria a dizer naquele órgão.
A questão, portanto, é: o que quer exatamente Espanha para estar no Conselho de
Segurança?
Autor: Carlos Ruiz Miguel, prof. Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela
Fonte: Desde el Atlántico
@Desdelatlantico
I. AS GRANDES QUESTÕES DA NOSSA POLÍTICA
EXTERIOR
Em princípio, o cargo de membro (permanente
ou não permanente) do Conselho de Segurança (CS) é atribuído [a um Estado] para
participar no exercício de competências que a Carta das Nações Unidas confere a
este importante órgão e que podem, não necessariamente, corresponder a
interesses particulares desse mesmo Estado. No entanto, não há dúvida de que o
exercício leal e de boa fé da responsabilidade de um membro do CS não exclui
que, no exercício do mesmo, ele também possa fazer a defesa dos seus interesses
particulares quando estes estão em conformidade com princípios da Carta das
Nações Unidas.
Em minha opinião, não há dúvida de
que os interesses primários e secundários da nossa política externa apresentam a
característica de serem totalmente compatíveis com os princípios da Carta das
Nações Unidas. Outra questão é se a política externa que está sendo seguida em
Espanha serve os nossos interesses ou não.
Quais são as grandes questões da
nossa política externa?
Em primeiro lugar, claramente, a
defesa da integridade territorial do Estado, tanto face às pretensões de
restringi-lo (Marrocos), como face à queles que se opõem (Reino Unido) ao
restabelecimento da mesma, recusando-se devolver o território que nos pertence (Gibraltar)
;
Em segundo lugar, a necessidade de
honrar os nossos compromissos internacionais, públicos e solenes, de terminar a
descolonização do território do qual somos legalmente administradores (Sahara
Ocidental).
Existem, naturalmente, outros
interesses importantes, mas secundários, embora ligados aos principais. Por
exemplo, em matéria de descolonização, são várias as questões onde os
interesses de Espanha exigiriam um maior envolvimento (casos das Malvinas e
Guam, fundamentalmente).
Entre estes assuntos, o de Gibraltar
é matéria de que se ocupa a AG das Nações Unidas, enquanto o do Sahara
Ocidental é uma questão em que, cada um na sua esfera de competência própria, se
ocupam a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança.
II. O SAHARA OCIDENTAL, PRINCIPAL RAZÃO
DE SER DA NOSSA EVENTUAL PRESENÇA NO CONSELHO DE SEGURANÇA
Como comentei antes, de todos os assuntos
de que se ocupa o Conselho de Segurança, o do Sahara Ocidental é aquele onde a
defesa do Direito Internacional (que cabe a todo o membro do Conselho) melhor
se articula com o nosso interesse em solucionar o conflito de acordo com o Direito
Internacional.
E, qual ironia da história, é no dia
em que a votação ocorrerá para se saber se Espanha obterá o cargo de membro
não-permanente do SC - 16 de outubro - , que se cumpre o aniversário do dia em
que as Nações Unidas adotaram o mais importante documento da história do Sahara
Ocidental, ou seja, o parecer do Tribunal Internacional de Justiça, de 16 deoutubro de 1975, após um processo em que a Espanha teve uma intervenção brilhante e bem sucedida.
Naquele parecer, o Tribunal declarou
(parágrafo 70 do parecer) que:
le processus de décolonisation qui doit
être accéléré et que l'Assemblée générale envisage dans cette disposition est
un processus qui respectera le droit des populations du Sahara occidental de
déterminer leur statut politique futur par la libre expression de leur volonté.
Ce droit n'est modifié ni par la présente requête pour avis consultatif ni par
la résolution 3292 (XXIX) qui le réaffirme expressément au contraire. Le droit
de ces populations à I'autodétermination constitue donc un élément de base des questions
adressées à la Cour.
TRADUZIDO:
O processo de descolonização que deve ser acelerado e que a Assembleia Geral
contempla nesta disposição [refere-se à resolução 3292] é um processo que respeitará
o direito das populações do Sahara Ocidental a determinar o seu futuro estatuto
político mediante a livre expressão da sua vontade. Este direito não está
modificado pela presente demanda de parecer consultivo nem pela resolução 3292
(XXIX) que o reafirma expressamente. O direito destas populações à autodeterminação
constitui, portanto, um elemento base das questões colocadas ao Tribunal.
Precisamente por isso, NÃO PODE HAVER
SOLUÇÃO que não passe pelo referendo de autodeterminação, exceto, é claro, a
retirada unilateral da força de ocupação da maior parte do território, seguido
pelo reconhecimento da República saharaui.
III. ESPANHA NO CONSELHO DE SEGURANÇA
NO BIÉNIO 2003-2004 E O "PLANO BAKER"
A última vez que Espanha foi membro não
permanente do Conselho foi no biénio 2003-2004. Naquele período, fora a questão
da guerra do Iraque, a intervenção mais importante de Espanha foi em relação,
precisamente, ao Sahara Ocidental.
Em julho de 2003, os Estados Unidos apresentaram
um projeto de resolução mediante o qual o Conselho aprovava (endorse) o chamado
"plano Baker" que contemplava uns anos de autonomia após os quais se realizaria
o referendo de autodeterminação. Dado este que convém recordar aos que por
ignorância ou má fá dizem que os EUA "sempre" se alinharam ao makhzen.
Em 2003-2004, no Conselho de Segurança, Espanha não aprovou e deixou cair o «Plano Baker». Meses mais tarde o Enviado Pessoal do SG da ONU demitia-se... |
Espanha apoiou em princípio esse projeto
de resolução provocando o pânico na corte de Mohamed VI que imediatamente ativou
o seu lobby em Madrid. Pouco depois, no último momento, numa atuação surpreendente
e lamentável, ainda não totalmente explicada, a ministra dos Negócios
Estrangeiros, Ana Isabel de Palacio y del Valle Lersundi (mais conhecida simplesmente
como "Ana Palacio") ordenou ao embaixador espanhol nas Nações Unidas a
fazer esforços na ONU para que o projeto, em vez de "aprovar" o
"plano Baker" o "avalizasse". Um desempenho que espero um
dia venha a ser conhecido se o Presidente do Governo de então, José María Aznar
López, era a favor ou contra a iniciativa da sua ministra das Relações
Exteriores.
Em abril de 2004, o governo de
Rodríguez Zapatero [POSE], surgido após o atentado do 11-M, tomou a sua primeira
medida de política externa (anterior à retirada do Iraque): deixar de apoiar o "plano
Baker". Meses despois, em junho de 2004, Baker demitiu-se.
IV. O EVENTUAL CENÁRIO PARA 2015-2016
Que vai fazer Espanha em relação ao Sahara
Ocidental se for eleita membro do Conselho de Segurança?
Surpreende, e muito, o absoluto
silencio do nosso governo (e da oposição ) sobre este ponto.
E surpreende porque ninguém ignora
que, tal como em 2003-2004, o Sahara Ocidental, por mais que silenciado pela imprensa
espanhola, vai ser a questão mais importante em que vamos ter que nos
pronunciar.
E surpreende, pois é muito claro o
que a Espanha, com essa responsabilidade, pode e deve fazer. Especialmente
porque, depois de ter deixado cair o "plano Baker", não há mais
dúvida de que os argumentos utilizados na época para rejeitar e alhear-se do que determina o Direito internacional, dez anos depois demonstraram-se totalmente falsos.
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