O último périplo de Cristopher
Ross, enviado pessoal do secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental, tem sido marcada por uma
série de ações do governo marroquino que mostram a falta de respeito pelos
direitos humanos e a atitude provocatória que mantém o sultão em relação ao
enviado da ONU.
A 23 de março, durante a estadia
de Ross em El Aaiún, ocorreu uma carga policial (à paisana) contra
manifestantes pacíficos que protestavam contra a presença de Marrocos,
impedindo, inclusive, que as ambulâncias pudessem socorrer os feridos.
Desconhece-se o número de vítimas saharauis de terrorismo policial. A imagem
desse dia nessa cidade era verdadeiramente surreal: num local, Ross e o
responsável pela MINURSO ouvindo e conversando com vários ativistas de direitos
humanos; noutro, os policiais disfarçados batendo selvaticamente todos os
saharauis que apanhavam pela frente.
No mesmo dia, na cidade de Smara, cinco saharauis refugiaram-se
na sede da MINURSO pondo em estado de nervos as forças de ocupação e
funcionários da ONU. Começaram por tentar convencê-los a deixar o local através
dos bons ofícios de alguns anciãos saharauis colaboracionistas. Ao não obterem resultado,
Adoumou Abdallah Jayda e Mayhoub, assessor pessoal e chefe de segurança Ross,
respetivamente, garantiram aos cinco saharauis que se concordassem em deixar o
local beneficiariam de garantias para a sua segurança pessoal, teriam uma
reunião com Ross em El Aaiún e eles mesmos acompanhariam o seu caso por forma a
garantir que não sofreriam retaliações, fornecendo-lhes dinheiro para apanhar um
táxi para a capital e pedindo-lhes para telefonarem logo que chegassem ao
destino. Chegados à sede da MINURSO em El Aaiún, as suas chamadas telefónicas não
foram atendidas, conforme acordado, e acabaram por ser sequestrados por polícias
à paisana que os levaram de volta a Smara, onde foram torturados durante várias
horas e abandonados no deserto.
Há que recordar que, durante o verão de 2012, o Rei de
Marrocos tentou que Christopher Ross fosse afastado do cargo, manobra que redundou
num completo fracasso para a diplomacia marroquina dado o forte apoio que Ross recebeu
de Ban Ki-moon. No entanto, esses factos comprometem seriamente a credibilidade
da ONU, pois a violação da promessa feita aos cinco jovens saharauis de Smara foi
dada em nome das Nações Unidas, o sequestro ocorreu diante da sede da MINURSO em
El Aaiún e a tortura cocorreu com a enganosa cumplicidade dos dois altos funcionários
da organização.
A impunidade e o desprezo com que agiram as forças de
segurança marroquinas coloca Christopher Ross ante o seu particular Rubicão, ou
tem pessoas que trabalham para o sultão no seio da sua equipa, ou o confronto
do país vizinho com o enviado pessoal do SG é irreversível. O que faria que qualquer
solução proposta por Ross que não atenda aos interesses de Rabat esteja condenada
ao fracasso, a menos que seja imposta pelo Conselho de Segurança.
Temos de apontar dois dados altamente relevantes. O primeiro
é que a MINURSO é a única missão de paz da ONU que, entre as suas funções, não
tem por missão garantir os direitos humanos na região para onde foi destacada. O
segundo, é que o chefe das missões de manutenção da paz da ONU, Hervé Ladsus, é
francês e assumiu o seu atual cargo graças a Zapatero, que teve de ceder para a
França esta vaga correspondente a um espanhol, em troca de colocar Bibiana Aido
em Nova Iorque com Michelle Bachelet (Nota: ex-secretária-geral
adjunta das Nações para Agência Mulher).
A 22 de abril, Cristopher Ross apresentará o seu relatório
ao Conselho de Segurança, veremos nesse dia se a aposta da ONU é apoiar a livre
autodeterminação dos povos não autónomos como consagra a sua própria carta ou continuar
a apoiar a sangrenta colonização do Sahara Ocidental por Marrocos.
Fonte:
EspaciosEuropeos - Diego Camacho (28/3/2013)
* A frase "atravessar o Rubicão" é usada para
referir-se a qualquer pessoa que tome uma decisão arriscada de maneira
irrevogável, sem retorno.
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