domingo, 10 de março de 2013

O conflito do Sahara Ocidental: análise a partir do Direito Internacional



O Sahara Ocidental, única colónia africana que não conseguiu ainda a sua independência, ocupa uma zona muito particular dentro da região do Magrebe, dada a sua ligação com o Oceano Atlântico e a África subsaariana através de uma fronteira no sul com a Mauritânia.

O relevância desta localização reside na posição de "ponte" de passagem para os povos que vivem em seu redor e do intercâmbio económico que daí derivado. O Sahara Ocidental é a intersecção de várias rotas de comércio; da África subsaariana às Ilhas Canárias, no Oceano Atlântico; da Argélia ao Oceano Atlântico; e da Mauritânia a Gibraltar, através de Marrocos e do Mediterrâneo. (1)

A sua importância geoestratégica e recursos naturais despertaram historicamente o interesse de potências ocidentais que, direta ou indiretamente, violaram a cultura e soberania saharaui, com o objetivo de garantirem o controlo da rota transaariana e a exploração da zona pesqueira. Para apenas fornecer um dado estatístico revelador, vale a pena destacar que o potencial dos bancos pesqueiros do Sahara é estimado em 10 toneladas por km² numa área de, aproximadamente, 150.000 km ², convertendo-a numa das mais ricas do mundo.

Atualmente, coloca-se com muita probabilidade a existência de jazidas de petróleo significativas na costas saharauis, como na cidade de Tarfaya, antigo território do Sahara Ocidental cedido por Espanha a Marrocos em 1958, onde poderão existir reservas de petróleo estimadas em 500 mil barris de petróleo por dia, o que, a verificar-se e a concretizar-se a sua exploração, fariam de Marrocos o 6.º produtor mundial de petróleo, acrescentando um novo item de estudo à geopolítica deste conflito.

Este recurso tem despertado a ambição das grandes multinacionais europeias e americanas. Marrocos tentou, e em alguns casos conseguiu, estabelecer acordos para a exploração e avaliação deste recurso no Sahara, o que levou o Departamento de Assuntos Jurídicos das Nações Unidas a pronunciar-se sobre a legalidade de tais contratos, tendo assinalado a ilegalidade destes. (2)

Um elemento significativo e que teve um peso de enorme relevância na redação dos Acordos Tripartidos de Madrid em 1975, são os fosfatos, elemento fundamental para a produção de fertilizantes, dado que uma das maiores reservas do mundo se encontram no Sahara Ocidental. (3)

Em 1974, o Banco Mundial definiu o território saharaui como o Espaço mais rico de todo o Magrebe, devido à existência de abundantes reservas em recursos naturais de fosfatos (que ascendiam então a 1700 milhões de toneladas e que podem inclusive atingir mais de 10 000 milhões) e de bancos pesqueiros (um dos mais importantes do mundo), além de outros minerais importantes. (4)
Marcha Verde e a exploração de fosfatos no Sahara Ocidental
no tempo colonial espanhol 

Significativamente, a ocupação ilegal do território, constitui uma parte inevitável da agenda da ONU há 37 anos, sem soluções que se vislumbrem a curto ou médio prazo. É patente como se observa o duplo padrão com que as potências ocidentais encaram e promovem o cumprimento das normas jurídicas internacionais. Enquanto aos países em desenvolvimento exigem o seu cumprimento, por outro lado, o direito internacional é violado e sucumbe à sua dominação política, geoestratégica e de dominação.

Ao contrário de Marrocos, onde foi implantada a monarquia hereditária, no Sahara Ocidental, historicamente, existia um governo tribal-democrático organizado pela Assembleia dos 40, onde havia um consenso na tomada de decisão entre as diferentes tribos existentes, o que lhes permitiu resistir como movimento anticolonial. Foi a Conferência de Berlim (1884-1885), que mudou o curso da história deste país ao conceder a Espanha a anexação do território de Saguia el Hamra e Rio de Ouro

Negociações dos Acordos Tripartidos de Madrid, novembro de 1975,
e o então rei de Marrocos, Hassan II, com os reis de Espanha

Durante o processo de libertação, os marroquinos atacaram historicamente os legítimos direitos do povo saharaui e serviram de ponta de lança dos interesses coloniais. Como resultado dessa conspiração, Marrocos saiu favorecido da partilha territorial e de recursos, recebendo em 1958, das mãos de Espanha, a província de Tarfaya (sul da fronteira marroquina). Assim, as fronteiras que demarcam o território do Sahara Ocidental são herdadas do tempo colonial, definida entre Espanha e França, em 1900, 1904 e 1912.

Com o objetivo de contornar os princípios estabelecidos pela ONU, a ditadura espanhola de Franco emitiu o Decreto 21 de agosto de 1956, no interesse de fazer uma mudança na nomenclatura espanhola quanto aos territórios coloniais espanhóis e tentar mostrar no plano internacional que não havia possessões coloniais no Sahara.

Foram vários os decretos promulgados por Espanha para tomar posse legalmente deste território, entre os quais importa destacar: Decreto 10 Janeiro de 1958, onde se procedeu a uma reorganização Administração do Estado e o Sahara Ocidental se converteu numa província. Outra iniciativa promulgada foi a Lei 8/1961 de 19 de abril "Sobre organização e estatuto jurídico da província do Sahara".

A reiterada oposição de Espanha contra a autodeterminação do povo saharaui, manifesta-se em 14 de dezembro de 1960 quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a Resolução 1514-XV, intitulada "Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais ", que exalta as reivindicações na base do direito e princípio dos povos à autodeterminação. Espanha votou contra na Assembleia Geral, voto que significava o desrespeito ao direito do povo saharaui a existir como um Estado independente.

A necessária decisão do povo saharaui a pegar em armas para defender a sua soberania e independência nacional, tornou-se efetiva com a realização de um Congresso Constitutivo, que criou a (Frente Polisário) - Frente para a Libertação do Saguia el Hamra e Rio de Ouro - em 10 de maio de 1973 e que, desde o seu início, estabeleceu como ponto estratrégico  a luta a nível popular, diplomático, militar e política.

A nível regional, argumenta-se que a existência do conflito no norte da África é a principal causa da falta fortalecimento e de crise da União do Magrebe Árabe (UMA), criada em 1989, como um processo de integração para responder ao mercado europeu, no entanto potências como a França, os EUA e a Espanha contribuem, a partir de suas respetivas posições, para o  bloqueio deste processo.

Em 1975, Hassan II, Rei de Marrocos, organiza com o consentimento do ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, a chamada Marcha Verde, que não foi mais do que a invasão do Sahara Ocidental, e que causou um êxodo em massa da população civil, obrigando parte da população a cruzar a fronteira da Argélia e a procurar refúgio numa das zonas mais secas do deserto (os acampamentos de Tindouf), onde sobrevivem desde então, tendo criado o seu próprio Estado no exílio.

A 14 de novembro de 1975 tem lugar a "Declaração de Princípios sobre o Sahara Ocidental" (Acordos de Tripartidos de Madrid) através dos quais a Espanha cede temporariamente o território do Sahara Ocidental entre Marrocos e a Mauritânia, e se compromete a acabar e pôr fim às suas responsabilidades.

O Artigo 2 º do acordo revela que o mesmo não transfere a soberania do território, o procedimento estabelecido foi o abandono da Espanha, e face a isso se instituiu uma administração temporária tripartida que deveria concluir as suas funções até ao dia 28 de fevereiro de 1976. Este acordo não transferiu a soberania do território, nem conferiu a qualquer um dos signatários o estatuto de potência administrante, o que a Espanha, por si só, não poderia ter transferido unilateralmente.

Hoje, admite-se que, entre as principais características do direito à autodeterminação dos povos, se encontra o seu caráter ius cogens  - direito imperativo - , pelo que a sua violação constitui um crime internacional, como estatuiu a Resolução 1514 (XV) de 14 de dezembro 1960 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Estes acordos violam os artigos 73 e 103 da Carta da ONU, já que a Espanha como potência administrante, violou as suas obrigações, estipuladas na Carta da ONU, como o de assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos respetivos, o seu progresso económico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra abusos, promover a paz e segurança internacionais; assim como, em caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta, prevalecerão as obrigações impostas pela presente Carta.

Desde a fundação da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), Marrocos tem procurado anular internacionalmente a estabilidade do povo saharauis desenvolvendo intensa atividade diplomática, no entanto, a República é reconhecida por 82 países, 28 dos quais são latino-americanos. Neste processo constitui um marco de tremenda importância o reconhecimento da RASD como membro de pleno direito da Organização de Unidade Africana (OUA), atual Unidade Africana (UA), realizada em Adis Abeba, em 1982.

Marrocos tentou expulsar a RASD da OUA, mas não o tendo conseguido retirou-se da organização em 1984, tentando pressionar seus membros, ao alegar que apenas voltaria se a RASD fosse expulsa. A Carta da OUA não contempla a possibilidade de expulsão de qualquer Estado-membro, de modo que os esforços de Marrocos para tentar provar que a admissão foi nula, não produziram resultados.

A classificação jurídica de Marrocos à luz da doutrina das Nações Unidas, tal como o estabelecido na Resolução 2625-XXV de 24 de outubro de 1970, é a de uma potência ocupante que exerce controlo sobre um território que pretende anexar ilegalmente mediante o uso da força.

Desde a resolução 2229 (XXI), de 20 de dezembro de 1966, que a Assembleia Geral da ONU proclamou o Sahara Ocidental como um território que deve ser descolonizado através de um referendo de autodeterminação, pelo que não faz parte do "integridade territorial" de Marrocos.

Em 1991, após 16 anos de guerra, a mediação da ONU e da OUA conseguiu o cessar-fogo, acordando-se na realização de um referendo de autodeterminação, compromisso que foi aceite por Marrocos.
O Plano de Paz para o Referendo do Sahara foi aprovado pela Resolução 690 do Conselho de Segurança da ONU, em 1991, e é neste momento que o governo espanhol não tem outra saída que expressar publicamente o seu apoio ao Plano de Paz, sem no entanto reconhecer a Frente Polisário nem a RASD.

O conteúdo do Plano de Paz consistiu unicamente em verificar a redução de tropas marroquinas, assegurar a libertação de presos políticos, supervisionar a troca de prisioneiros, implementar o programa de repatriamento, itens dos quais muitos ainda não foram cumpridos.

A perspetiva de uma derrota no referendo de autodeterminação levou Marrocos, ante a passividade da ONU, a bloquear e quebrar os compromissos constitutivos do Plano de Paz e dos Acordos de Houston, em violação das exigências das resoluções 658, 690, 725 e 1133 do Conselho de Segurança, que exortava as partes a "cooperar plenamente" na "implementação" do Plano de Paz.

Em 1997, Kofi Annan, nomeou James Baker como seu Enviado Pessoal para encontrar uma "solução" para a questão do Sahara Ocidental. Cabe destacar que James Baker foi secretário do Tesouro no governo Reagan, e o secretário de Estado na administração Bush pai.

Em 2001, James Baker apresentou o projeto de "Acordo-Quadro sobre o estatuto do Sahara Ocidental": que apresentava a concessão de uma ampla autonomia para o Sahara, e em que teria lugar, ao fim de cinco anos, um referendo de autodeterminação. A inviabilidade política do chamado plano Baker levou ao seu fracasso...

O "plano de paz para a livre determinação do povo do Sahara Ocidental" conhecido por Plano Baker II, surge no contexto de uma proposta de James Baker, incentivado pelo convite da resolução 1429 (2003) do Conselho de Segurança de continuar a procurar um acordo político entre as partes.

O Conselho de Segurança aprova por unanimidade a resolução 1495 que consagra o plano Baker como "solução política óptima" para resolver o conflito do Sahara Ocidental. O plano Baker consistia numa fórmula de compromisso, segundo a qual se estabelecia um estatuto de autonomia por cinco anos (sob a égide da ONU), a que se seguiria um referendo de autodeterminação para escolher entre a independência do território ou outras opções. (6)
Este plano foi proposto por James Baker, em janeiro de 2003. O próprio texto do plano tardou em chegar ao conhecimento público pois se exigiu a máxima reserva. Finalmente foi divulgado ao ser incluído, juntamente com as observações das partes, no relatório do Secretário-Geral sobre a situação no Sahara Ocidental em maio 2003. O plano foi aprovado pelo Conselho de Segurança na sua resolução 1495 por unanimidade.

O texto do plano voltou a tardar o ser conhecido. A questão dos direitos humanos foi abordada pela ONU após a eclosão da Intifada da independência nos territórios ocupados do Sahara Ocidental em 21 de maio de 2005. Face a essa resistência civil, Rabat repetiu a velha receita utilizada para reprimir a população saharaui que permaneceu no território após a invasão: a repressão.

Como evidenciam e demonstram os sinais de preocupação de diferentes organizações, entre os quais vale destacar o Comité de Direitos Humanos e o Comité contra a Tortura das Nações Unidas, nos territórios do Sahara Ocidental são defensores dos direitos humanos e ativistas políticos os principais alvos das ações violentas executadas pelas autoridades policiais. (7)

Atendendo estritamente às normas imperativas de direito internacional, podemos concluir que as leis essenciais e resoluções adotadas no âmbito da ONU sobre a descolonização do Sahara, falharam com o consentimento das potências ocidentais, como Espanha, França e Estados Unidos, utilizando como ponta de lança Marrocos.

O conflito prosseguirá condicionado pelos interesses das oligarquia e políticas e financeiras de várias potências que persistem em explorar o território do Sahara, colocando Marrocos como ponto geoestratégico no controlo do Sahara.


Referências:
(1) Morillas, Javier.: Sahara Occidental. Desarrollo y subdesarrollo, 3ª. Edición, El Dorado Prensa y ediciones Iberoamericanas, España, 1995, pág. 35.

(2) Report of the UN Office of Legal Affairs on the legality of the Oil- contracts signed by Morocco over the natural resources of Western Sahara, January 2002.

(3) Burnett, William and Rigss, Stanley. Phosphate deposits of the world. Neogene to Modern phosphorites, Vol. 3, Cambridge, England, 1990, pág. 159.

4) Monjaráz, Domínguez, Jorge Alfonso.:“¿Crónica de una muerte anunciada? El Consejo de Administración Fiduciaria”, en Rosas, González, María Cristina (coordinadora). 60 años de la ONU: ¿Qué debe cambiar?, UNAM/ANU, México, 2005, pp. 250 – 251.

(5) Mendoza Serrano, Rocío.: (Situación Jurídica del Sahara Occidental en base al Derecho Internacional. CEDESPAZ.) 2008.

(6)http://www.umdraiga.com/documentos/ONU_informessecregralonsejoseguridad/S_2003_ _565_PB2_es.tm

(7)Morocco yearning to get back into the AU? The Alternate Monthly Magazine of the Institute for Security Studies. April/May 2010.

Yanara Llópiz es investigadora del Centro de Estudios sobre África y Medio Oriente de La Habana (Cuba)
por CEPRID

Yanara Llópiz
CEAMO




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