quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Na sua viagem ao Sahara, Christopher Ross recupera a confiança da Frente Polisario na ONU

Ross com Aminetou Haidar e outros ativistas saharauis dos direitos humanos 


Para começar, Christopher Ross chegou a El Aaiún num avião que levava bem visíveis as insígnias da ONU. O "governador" fantoche do governo marroquino esperava-o de pé na pista ao lado do diplomata alemão Wolfgang Wolfgang Weisbrod-Weber que é, desde junho passado, o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas no Sahara Ocidental e Chefe da MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental). Após desembarcar, Ross limitou-se a cumprimentar educadamente o representante da administração ocupante, mas deixou-o lá especado, seguindo numa viatura da ONU sem o convidar para compartilhar a viagem, deixando claro que quem cabia recebê-lo era o seu colega alemão.

Alguém deve ter avisado as autoridades marroquinas, já que nem se deram ao trabalho de preparar as habituais comissões de boas-vindas com os membros do ​​CORCAS (Conselho Real Consultivo para os Assuntos do Sahara) e “notáveis” supostamente ligados à tese de um Sahara marroquino. Pelo contrário, desde que chegou a El Aaiun Ross não parou de ter reuniões com representantes de organizações de direitos humanos, o que é outra importante mudança em relação à população saharaui: a ONU, que até agora fez vista grossa às manobras com que os marroquinos impediam os saharauis de se acercarem livremente das suas instalações, reconhece implicitamente que a voz da população do interior não se limita à representação da Frente Polisário em Tindouf nem, muito menos, aos interlocutores saharauis escolhidos a dedo por Rabat.

Mas também em El Aaiún, Ross visitou lugares aparentemente alheios ao circuito político dos meios da ONU, como Cabeza Playa, o porto situado a cerca de 30 quilómetros de distância da capital da antiga província espanhola onde são embarcados os fosfatos das jazidas de Fos Bucraa explorados ilegalmente pelos invasores. Uma curiosidade turística, talvez, mas muito típico de alguém que está determinado a deixar claro que quer ver tudo e, mais importante, está determinado a mover-se pela cidade e arredores sem restrições e sem acompanhamento que não tivesse escolhido.

Acampamentos de refugiados: Ross é abordado por uma anciã saharaui

Um gesto que certamente as autoridades marroquinas não terão gostado é que Ross deslocou-se de El Aaiún a Tifariti, a "capital" da RASD nessa faixa de território que foi libertada da ocupação marroquina e que, ciclicamente, Marrocos ameaça invadir para que não se possa dizer que existem territórios sobre os quais a RASD exerce o seu governo. Ross chegou ali num helicóptero da ONU e, além de reunir com o ministro da Defesa saharaui passeou à sua vontade, visitando o museu, a escola, a clínica e outras instalações. Normalmente as visitas dos representantes da ONU ao Sahara controlado pela Frente Polisário é de apenas horas, mas Ross passou a noite em Tifariti. A partir daí, novamente de helicóptero, rumou a Mahbes, em território ocupado, com uma direção que restabelece uma unidade entre as partes do território divididas pelos muros marroquinos.

É significativa a discrição que mantiveram os Órgãos de Comunicação Social «oficiais» ou «oficiosos» marroquinos sobre a visita de Ross, que limitaram os seus comentários às mensagens favoráveis à anexação que os representantes políticos transmitiram ao diplomata norte-americano durante a sua passagem por Rabat e ignoraram o que ocorreu depois de ele ter deixado a capital marroquina. Dá a impressão que em Rabat preferiram não introduzir dados que interferissem na mensagem que o rei Mohamed proferiu ontem, no seu discurso para celebrar a Marcha Verde de 1975, com que o seu pai invadiu a província espanhola, e onde reafirmou ante a sua opinião pública que não existia nenhuma mudança na política de anexação de facto consumado. Há quem tenha assinalado que os noticiários marroquinos censuraram declarações de Ross em Rabat, onde o Sahara foi deixado sem o "Ocidental" e apagada a palavra "autodeterminação", pouco de acordo com a versão oficial marroquina de que há que procurar uma solução de consenso. Embora também deva dizer-se que Ross, durante a sua visita ao lado Polisario, voltou a utilizar o “slogan” de que a solução deve ser "mutuamente aceitável".

Porto de El Aaiun foi visitado pelo Enviado Pessoal do SG da ONU

Em qualquer caso, Ross marcou uma guinada a favor do prestígio da ONU ao dar-se ao trabalho de marcar distâncias com as autoridades da administração invasora, como convém a um representante de uma organização que nunca reconheceu a alegada soberania marroquina sobre o território. Há que afirmar que Ross deu uma volta de 180 graus fazendo o que deveria ser normal para um alto cargo das Nações Unidas, corresponde a uma situação em que — como diria o embaixador norte-americano Frank Ruddy —, eram os agressores marroquinos que impunham a sua vontade, as condições e até a sua bandeira (nas próprias instalações da ONU) aos representantes das Nações Unidas. Uma situação em que a confiança na ONU dos saharauis das ruas, tanto das áreas ocupadas como dos acampamentos de refugiados, caíra para níveis tão mínimos, e que só a custo os dirigentes saharauis conseguiram contrariar os pedidos de regresso à guerra no seu último Congresso.

O Secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, já dera sinais de querer mudar as coisas em abril, quando denunciou, ainda que com suavidade, as tropelias com que Marrocos tem vindo a sabotar o trabalho da MINURSO e que, desde 1991, têm impedido a realização da consulta referendária. Também é sabido que em maio (em plena “Feria de San Isidro” – grande festa taurina em Madrid), Marrocos tinha respondido à ONU com uma perigosa cornada, retirando a confiança a Christopher Ross. Parecia que o Makhzen iria voltar a impor a sua dinâmica de extorsão às Nações Unidas, sem que ninguém dissesse uma palavra, mas depois de ser confirmado em agosto como “primeiro espada” para o Sahara, Ross saiu à  “arena” para tourear uma lide com maestria.

Agora, resta ver se ele consegue continuar por esse caminho até rematar a faena. A primeira pista será dada pelo relatório que terá que apresentar ao Conselho de Segurança: vamos ver o que ele diz sobre a repressão com que as forças de ocupação tentaram silenciar as manifestações que os saharauis tiveram que improvisar (foi mantido o segredo sobre a visita a El Aaiún até quase ao último minuto) para que ele regressasse a Nova Iorque sem sombra de dúvida sobre a rejeição da população aos invasores. Também deverá ser explicado este secretismo sem precedentes numa visita da ONU, o que, provavelmente, foi uma concessão à parte marroquina.


A misteriosa aparição de um avião militar espanhol 
em El Aaiún
Chegada de Ross, em avião militar espanhol, aos acampamentos
de refugiados saharauis na Argélia
Outro detalhe interessante sobre a visita de Ross: nesta complexa viagem apareceu um avião das forças aéreas espanholas. Surgiu no sábado em El Aaiún, onde Ross embarcou com a sua comitiva e que o levou a Tindouf, na Argélia, para iniciar a visita aos acampamentos de refugiados. Este avião também o transportou para a Mauritânia, para cuja capital o diplomata norte-americano seguiu na terça-feira.

Segundo parece, foi Ross quem pediu a Espanha que lhe prestasse ajuda de transporte durante as entrevistas que se realizaram na sede da ONU em Nova Iorque durante a Assembleia Geral e o Governo de Rajoy respondeu afirmativamente com o envio do aparelho militar, em consonância com o seu compromisso de dar pleno apoio aos esforços do Enviado Pessoal para reativar o processo de procura de uma solução para o conflito.

A Espanha também contribuíra durante o governo de Aznar com um avião militar para transportar um antecessor de Ross, o ex-secretário de Estado James Baker, quando ele visitou a região. Na altura, Mohamed VI não achou nenhuma graça ao pormenor. Supomos que também agora não lhe terá agradado, já que com esse «detalhe» Ross vem recordar publicamente que, em relação ao Sahara, o normal é que a ONU peça ajuda a Espanha e não a outra potência pelo papel que lhe cabe desempenhar na resolução do conflito como potência administrante que continua a ser deste território não autónomo pendente de levar a termo a sua descolonização. Digam o que disserem o PP ou o PSOE.

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