Ross com Aminetou Haidar e outros ativistas saharauis dos direitos humanos |
Para começar, Christopher Ross chegou a El Aaiún num avião que
levava bem visíveis as insígnias da ONU. O "governador" fantoche do
governo marroquino esperava-o de pé na pista ao lado do diplomata alemão
Wolfgang Wolfgang Weisbrod-Weber que é, desde junho passado, o Representante
Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas no Sahara Ocidental e Chefe da
MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental). Após
desembarcar, Ross limitou-se a cumprimentar educadamente o representante da
administração ocupante, mas deixou-o lá especado, seguindo numa viatura da ONU
sem o convidar para compartilhar a viagem, deixando claro que quem cabia recebê-lo
era o seu colega alemão.
Alguém deve ter avisado as autoridades marroquinas, já que
nem se deram ao trabalho de preparar as habituais comissões de boas-vindas com os
membros do CORCAS (Conselho Real Consultivo para os
Assuntos do Sahara) e “notáveis” supostamente ligados à tese de um Sahara
marroquino. Pelo contrário, desde que chegou a El Aaiun Ross não parou de ter reuniões
com representantes de organizações de direitos humanos, o que é outra
importante mudança em relação à população saharaui: a ONU, que até agora fez
vista grossa às manobras com que os marroquinos impediam os saharauis de se
acercarem livremente das suas instalações, reconhece implicitamente que a voz da
população do interior não se limita à representação da Frente Polisário em
Tindouf nem, muito menos, aos interlocutores saharauis escolhidos a dedo por Rabat.
Mas também em El Aaiún, Ross visitou lugares aparentemente
alheios ao circuito político dos meios da ONU, como Cabeza Playa, o porto
situado a cerca de 30 quilómetros de distância da capital da antiga província
espanhola onde são embarcados os fosfatos das jazidas de Fos Bucraa explorados
ilegalmente pelos invasores. Uma curiosidade turística, talvez, mas muito
típico de alguém que está determinado a deixar claro que quer ver tudo e, mais
importante, está determinado a mover-se pela cidade e arredores sem restrições
e sem acompanhamento que não tivesse escolhido.
Acampamentos de refugiados: Ross é abordado por uma anciã saharaui |
Um gesto que certamente as autoridades marroquinas não terão
gostado é que Ross deslocou-se de El Aaiún a Tifariti, a "capital" da
RASD nessa faixa de território que foi libertada da ocupação marroquina e que,
ciclicamente, Marrocos ameaça invadir para que não se possa dizer que existem territórios
sobre os quais a RASD exerce o seu governo. Ross chegou ali num helicóptero da
ONU e, além de reunir com o ministro da Defesa saharaui passeou à sua vontade, visitando
o museu, a escola, a clínica e outras instalações. Normalmente as visitas dos
representantes da ONU ao Sahara controlado pela Frente Polisário é de apenas horas,
mas Ross passou a noite em Tifariti. A partir daí, novamente de helicóptero, rumou
a Mahbes, em território ocupado, com uma direção que restabelece uma unidade
entre as partes do território divididas pelos muros marroquinos.
É significativa a discrição que mantiveram os Órgãos de
Comunicação Social «oficiais» ou «oficiosos» marroquinos sobre a visita de Ross,
que limitaram os seus comentários às mensagens favoráveis à anexação que os
representantes políticos transmitiram ao diplomata norte-americano durante a
sua passagem por Rabat e ignoraram o que ocorreu depois de ele ter deixado a
capital marroquina. Dá a impressão que em Rabat preferiram não introduzir dados
que interferissem na mensagem que o rei Mohamed proferiu ontem, no seu discurso
para celebrar a Marcha Verde de 1975, com que o seu pai invadiu a província
espanhola, e onde reafirmou ante a sua opinião pública que não existia nenhuma
mudança na política de anexação de facto consumado. Há quem tenha assinalado que
os noticiários marroquinos censuraram declarações de Ross em Rabat, onde o Sahara
foi deixado sem o "Ocidental" e apagada a palavra "autodeterminação",
pouco de acordo com a versão oficial marroquina de que há que procurar uma
solução de consenso. Embora também deva dizer-se que Ross, durante a sua visita
ao lado Polisario, voltou a utilizar o “slogan” de que a solução deve ser
"mutuamente aceitável".
Porto de El Aaiun foi visitado pelo Enviado Pessoal do SG da ONU |
O Secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, já dera sinais de
querer mudar as coisas em abril, quando denunciou, ainda que com suavidade, as
tropelias com que Marrocos tem vindo a sabotar o trabalho da MINURSO e que,
desde 1991, têm impedido a realização da consulta referendária. Também é sabido
que em maio (em plena “Feria de San Isidro” – grande festa taurina em Madrid), Marrocos
tinha respondido à ONU com uma perigosa cornada, retirando a confiança a Christopher
Ross. Parecia que o Makhzen iria voltar
a impor a sua dinâmica de extorsão às Nações Unidas, sem que ninguém dissesse uma
palavra, mas depois de ser confirmado em agosto como “primeiro espada” para o
Sahara, Ross saiu à “arena” para tourear
uma lide com maestria.
Agora, resta ver se ele consegue continuar por esse caminho até
rematar a faena. A primeira pista será dada pelo relatório que terá que apresentar
ao Conselho de Segurança: vamos ver o que ele diz sobre a repressão com que as
forças de ocupação tentaram silenciar as manifestações que os saharauis tiveram
que improvisar (foi mantido o segredo sobre a visita a El Aaiún até quase ao
último minuto) para que ele regressasse a Nova Iorque sem sombra de dúvida
sobre a rejeição da população aos invasores. Também deverá ser explicado este secretismo
sem precedentes numa visita da ONU, o que, provavelmente, foi uma concessão à
parte marroquina.
A misteriosa aparição
de um avião militar espanhol
em El Aaiún
Chegada de Ross, em avião militar espanhol, aos acampamentos de refugiados saharauis na Argélia |
Outro detalhe interessante sobre a visita de Ross: nesta
complexa viagem apareceu um avião das forças aéreas espanholas. Surgiu no sábado
em El Aaiún, onde Ross embarcou com a sua comitiva e que o levou a Tindouf, na Argélia,
para iniciar a visita aos acampamentos de refugiados. Este avião também o
transportou para a Mauritânia, para cuja capital o diplomata norte-americano seguiu
na terça-feira.
Segundo parece, foi Ross quem pediu a Espanha que lhe prestasse
ajuda de transporte durante as entrevistas que se realizaram na sede da ONU em Nova
Iorque durante a Assembleia Geral e o Governo de Rajoy respondeu
afirmativamente com o envio do aparelho militar, em consonância com o seu compromisso
de dar pleno apoio aos esforços do Enviado Pessoal para reativar o processo de
procura de uma solução para o conflito.
A Espanha também contribuíra durante o governo de Aznar com
um avião militar para transportar um antecessor de Ross, o ex-secretário de
Estado James Baker, quando ele visitou a região. Na altura, Mohamed VI não
achou nenhuma graça ao pormenor. Supomos que também agora não lhe terá agradado,
já que com esse «detalhe» Ross vem recordar publicamente que, em relação ao
Sahara, o normal é que a ONU peça ajuda a Espanha e não a outra potência pelo papel
que lhe cabe desempenhar na resolução do conflito como potência administrante
que continua a ser deste território não autónomo pendente de levar a termo a
sua descolonização. Digam o que disserem o PP ou o PSOE.
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