O périplo de Christopher Ross pela região é, em si, um revés
para a diplomacia marroquina. Em maio último, o ministro dos Negócios
Estrangeiros do governo Benkirane [primeiro-ministro], sob instruções do
palácio real, tinha comunicado a Ban Ki-moon a «retirada de confiança» de Marrocos
a Christopher Ross.
As autoridades marroquinas exigiam então a retirada de cena
do diplomata americano que acusavam de «parcialidade» na sua mediação do conflito
saharaui. A iniciativa marroquina surgiu um mês após a apresentação pelo Secretário-geral
da ONU do seu relatório anual sobre o Sahara Ocidental, informando o Conselho de
Segurança dos bloqueios colocados por Marrocos à MINURSO, organismo das Nações
Unidas encarregado de vigiar o cessar-fogo sobre o terreno.
Rabat pede a cabeça
de Ross
Foi a ocasião para os marroquinos pedirem a cabeça de Ross que
eles tinham acusado injustamente de também de ser o autor de uma passagem do
relatório do SG da ONU em que era denunciada a introdução em El Aaiún de um
sistema de escuta das conversas aos observadores da MINURSO. No entanto, foi Ban
Ki-moon em pessoa que recolhera esta informação junto de várias fontes, segundo
o que Ross teria confiado a membros da sociedade civil marroquina com quem se
havia encontrado a 27 de Outubro em Casablanca.
Não se deixando de modo nenhum intimidar pelas ameaças
veladas do chefe da diplomacia marroquina, Saadeddine El Othmani, de pôr um
termo definitivo à sua colaboração com as Nações Unidas na busca de uma solução
para o conflito do Sahara Ocidental, Ban Ki-moon afirmará publicamente a sua
"plena confiança" ao seu Representante Pessoal para o Sahara
Ocidental. Em agosto, ele anuncia ao rei Mohamed VI que Christopher Ross irá
empreender uma nova missão na região do Magrebe e Europa. A diplomacia
marroquina está nas cordas. O rei marroquino capitula. Primeira derrota do ano para
Marrocos, que até ocupa um lugar no Conselho de Segurança da ONU até ao final do
ano de 2012.
Firma apoio do SG da ONU
ao diplomata americano
O SG da ONU foi apoiado na sua firmeza pelas potências
ocidentais cuja voz conta no Conselho de Segurança. Estranha coincidência de
calendário, a direita francesa, aliada incondicional do Reino de Marrocos, perde
o poder em maio. A ameaça de veto francês é menos sentida no Conselho de
Segurança. Marrocos fica isolado na sua recusa em aceitar Ross que Rabat gostaria
de ver substituído por um diplomata europeu mais sensível às suas teses, mais
conquistado pelo seu plano de autonomia, que nunca foi considerado
"credível" no Conselho segurança, ao contrário do deixava entender Rabat.
A 27 de outubro de Christopher Ross inicia a sua quinta ronda na região antes
de viajar também para a Europa.
Ross vai quebrar pela primeira vez um grande tabu, decidindo
encontrar-se em Al Aaiún com Aminatou Haidar e os seus companheiros independentistas.
Este é o segundo grande revés para a diplomacia marroquina que tudo tem feito para
desencorajar o diplomata americano de se encontrar com esses "inimigos da
integridade territorial de Marrocos". Ainda em Nova Iorque, e para não ferir
frontalmente Rabat, Ross já tinha encontrado a astúcia: envolver a sociedade
civil de ambas as partes envolvidas no conflito do Sahara Ocidental, os
saharauis, mas também os marroquinos.
Rabat privado do
apoio de Paris e de Madrid
Ross ouvirá da própria boca dos seus interlocutores civis marroquinos
em Casablanca que a aspiração de independência saharaui é "uma realidade"
e que o plano de autonomia do rei Mohamed VI não é "a solução" para o
conflito. Essa voz não está só nem isolada, é mesmo o pensamento profundo da
opinião marroquina que é controlada de perto pela polícia nesta questão "vital"
para a sobrevivência do Reino.
Privado do apoio diplomático de Nicolas Sarkozy e de Chirac,
Marrocos não pode também contar com a Espanha, onde os seus amigos socialistas
perderam o poder em novembro de 2011. O Governo Rajoy fez saber imediatamente
que continuava comprometido com a realização de um referendo sobre a
autodeterminação na ex-colónia espanhola. É o que irá dizer Mariano Rajoy a
Ross durante sua escala em Madrid. É provavelmente também o que lhe irão dizer os
líderes socialistas franceses com quem se reunirá em Paris.
A questão do direito do povo saharaui à autodeterminação,
que Marrocos quis fazer cair num impasse, com o apoio de Sarkozy e de Zapatero,
é mais do nunca incontornável. Christopher Ross disso deve ter tido a certeza durante
a visita que fez desde domingo aos campos de refugiados de Tindouf, onde se
encontrou com os líderes da Frente Polisario, entre os quais o presidente
Mohamed Abdelaziz. "Várias fontes" disseram a esta agência de
notícias que "uma avaliação das diferentes etapas das negociações entre
Marrocos e a Frente Polisario e os fatores que explicam a sua atual paralisia "
foi feita entre as duas partes.
Abertura de espírito
dos Saharauis
Ao contrário dos marroquinos que se mostraram "inflexíveis"
em relação ao seu plano de autonomia, mesmo neste período de fraqueza da
diplomacia marroquina na cena internacional, Ross encontrou entre os Saharauis uma
maior disponibilidade em cooperar. O representante Polisario junto da MINURSO,
Mohamed Khadad, não exclui "a necessidade de encontrar novas vias a fim de
quebrar o status quo atual."
Ele interroga-se: "Prosseguir as negociações directas
(...) e buscar outras vozes" para quebrar o diálogo informal do impasse,
isso é possível, porque "os Saharauis continuam abertos a qualquer
proposta que tenha em conta o seu direito à autodeterminação ".
O seu colega, o Secretário de Estado saharaui da Segurança,
Ibrahim Ahmed Mahmoud, disse, após o encontro com Ross, que a solução do
problema do Sahara Ocidental passa, inevitavelmente, pelo " direito dos saharauis
a dispor do seu destino ". É exatamente esta linha vermelha que Christopher
Ross mostrou sobre a questão do Sahara Ocidental. Foi em 2010 em Tindouf durante
a sua primeira viagem ao Magrebe. O que Marrocos nunca lhe perdoou.
Hania A.
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