Com efeito, quando o processo de democratização avança dificilmente
na Tunísia, quando no Egito os integristas tentam «amarrar» a revolução, quando
na Líbia as armas circulam e onde se está não longe do caos, e quando na
Argélia nada se passou, Marrocos é recorrentemente citado como referência, desde
o início destas revoluções, tanto pela França (estamos recordados das
declarações de Alain Juppé louvando a democracia marroquina), como pelos Estados-Unidos
ou certas organizações internacionais, como se uma revolução ou uma transição política
tivesse tido lugar nesse país.
Ora, quando se segue a vida política marroquina, rapidamente
se constata que não há, não houve nem revolução política, nem transição democrática
mas, no máximo, uma evolução marginal no sistema que prevalecia e continua a
prevalecer.
O que mudou a reforma
constitucional?
Com efeito, a reforma constitucional, iniciada pelo rei no
início de março de 2011, após as primeiras manifestações do chamado 20 de
fevereiro, e controlada desde o seu início pelo monarca (recorde-se, ele nomeou
discricionariamente todos os membros da comissão encarregada de propor a
revisão constitucional, essa comissão trabalhou sob o controlo dos seus mais
próximos conselheiros, e por fim o referendo que se realizou quinze dias após a
comunicação oficial do texto, deu origem a mais de 99% de sim ... o que
realmente dá que pensar), não alterou o funcionamento real das instituições e
manteve os plenos poderes nas mãos do rei.
Este, no quadro da nova Constituição, continua a controlar o
governo e os seus membros, nomeadamente os principais cargos: ministério dos Negócios
Estrangeiros, ministério do Interior, ministério da Defesa.
O governo atual, composto por cinco formações políticas, desde
os integristas «moderados» aos antigos comunistas, passando pelo movimento «centrista»
dos berberes, governa sob o controlo oficial do Parlamento mas no quadro que o
rei lhe fixou.
É o rei quem decide in
fine, como recentemente admitiu o Primeiro-Ministro quando entrevistado
pelo canal
TV5 - RFI - Le Monde.
O rei não tem contas
a prestar
É claro que o rei não tem contas a prestar sobre os objetivos
fixados nem sobre o balanço desses objetivos. Vários ex-ministros tornaram-se
conselheiros do rei, encarregados de controlar de maneira não visível a ação do
governo e do primeiro-ministro.
Além disso, a nomeação de altos funcionários (governadores e
walis, embaixadores, diretores das administrações centrais, etc.) permanece sob
o controle rígido do rei.
A mistura de géneros e o conflito permanente de interesses
entre a política e a economia permanece. O rei continua, através da sua holding
(SNI e suas subsidiárias) a fazer negócios, controlando desta forma uma parte
muito grande da economia, ganhando concursos públicos emitidos por instituições
ou empresas públicas.
O rei continua a enriquecer com os impostos dos marroquinos,
assim como uma lista de personalidades bem colocadas (cerca de 250 milhões de euros
em 2013).
A imprensa não é mais livre que antes
A imprensa não é mais livre que anteriormente. É impossível a
um órgão de comunicação social ou um jornalista tecer a mínima crítica ao rei
sem ser ameaçado ou condenado enquanto este reina, governa e faz negócios em Marrocos
!
Cartoon de Plantu, sobre a repressão à imprensa |
Persiste o culto da personalidade do rei. Prepara-se desde logo
o seu filho de 9 anos a quem os altos funcionários do Estado lhe prestam já o
beija-mão.
Em resumo, não mudou muita coisa desde 2011 e com a nova
Constituição.
Se o rei e a sua «entourage » são os primeiros responsáveis
por esta situação, também uma grande maioria da classe política é corresponsável
ao aceitá-lo, no «seu desejo cego», de servir a vontade do rei.
Um futuro político incerto
No entanto, continua-se a dizer e a escrever aqui e ali que Marrocos
é o modelo da região; mas os que transmitem a essa ideia deveriam ser mais prudentes.
Esta falta de evolução deixa o futuro político de Marrocos incerto. Por duas razões :
A vontade da monarquia e do núcleo da classe política em
conservar a repartição de poder tal como está traduz uma resistência da sua
parte a qualquer tentativa de mudança.
Esta resistência à mudança significa que ela se fará necessariamente
pela força e pela violência causando assim uma possível revolução. Esta forma que
a monarquia tem de "exercer o poder sobre todas as questões da soberania
(Justiça, Relações Exteriores, grandes questões económicas, etc.), de fazer
negócios e " monopolizar " uma grande parte da economia marroquina, a
ausência de partidos políticos que ofereçam uma alternativa e a ausência de uma
imprensa livre torna o horizonte político a médio prazo incerto ou aleatório.
Esta situação cria frustração e é agravada pelo facto de o rei estar no poder
há quase 14 anos, e seus principais conselheiros também ocuparem esses lugares
há 14 anos. O efeito de novidade e de esperança dos primeiros anos, una
esperança naïf é bem verdade…, desapareceu e a usura do poder é cada dia mais
evidente;
A segunda razão deste horizonte incerto, que está
estreitamente ligada à primeira, resulta da ausência de uma classe política capaz
de formular uma crítica radical do atual sistema, da confiscação do poder pelo
rei e da intervenção do rei na economia do país, propondo um projeto de sociedade
alternativo e não obscurantista. Este vácuo político resultante da ausência de
líderes políticos sérios e de uma via alternativa desejada pela monarquia, aumenta
necessariamente o risco de instabilidade, que pode acontecer de forma um pouco
imprevisível, como em 2011. As manifestações esporádicas nos últimos meses
atestam-no.
Este futuro instável pode, na prática, chegar mais cedo do
que o previsto. De facto, se a Tunísia consegue nos próximos meses concretizar a
sua revolução política e democrática, transformando o teste realizado em 2011, e
que não ocorra a passagem ou a recuperação da revolução pelos integristas da
Ennahda – o que pode acontecer quando vemos a força da sociedade civil laica - isso
mostrará, por outro lado, a deceção da transição marroquina.
Entre os detentores do poder em Marrocos, muitos são os que esperam,
secretamente, o colapso da transição revolucionário tunisina para o utilizar como
contra-exemplo e justificar a falsa evolução marroquina. Eles estão errados.
Aqueles que estão à cabeça desse sistema, que se julgam inteligentes, podem vir
a revelar-se os menos inspirados.
François Hollande, como representante da França, o primeiro
país amigo de Marrocos, deveria no âmbito das suas reuniões, sugerir aos seus
interlocutores marroquinos a necessidade de uma nova reforma constitucional aprofundada
para uma monarquia que não governe e que não faça negócios.
Deveria, além do mais, incitar os líderes políticos marroquinos
a se emancipar da tutela do rei. Isso estabilizaria o futuro político de Marrocos.
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