O Rei Hassan II de Marrocos e o SE norte-americano Henry Kissinger |
Os últimos telegramas diplomáticos publicados pelo Wikileaks revelam a importância das
jazidas de fosfatos de Bou Craâ nas negociações entre Marrocos e a Espanha no
início dos anos 70. Um interessante artigo publicado pelo independente jornal online marroquino Lakome.com
Os «Kissinger Cables»,
publicados segunda-feira pelo Wikileaks, reagrupam o conjunto dos telegramas diplomáticos
americanos trocados entre 1973 e 1976, à época em que Henry Kissinger era
Secretário de Estado em Washington. Esses telegramas, dos quais milhares dizem
respeito a Marrocos, fornecem perspetivas inéditas sobre a natureza e a evolução
das negociações sobre o Sahara durante este período charneira do conflito.
Entre as informações reveladas pelo Wikileaks, as
respeitantes aos fosfatos do Sahara são particularmente interessantes, no
sentido em que as questões políticas relacionadas com o território sempre ofuscaram
a realidade geológica e os dados fiáveis são
escassos.
Hoje, o OCP (Office
Chérifien des Phosphates) extrai de Bou Craâ entre 2,5 e 3 milhões de m3
de rochas brutas por ano, o que corresponde a um volume de negócios de 527 milhões
de dólares em 2011 (1). A Polisario acusa o Estado marroquino de «pilhagem dos recursos naturais»; Rabat pretende
fazer crer, ao contrário, que as minas de Bou Craâ «não são rentáveis e são mantidas em produção por razões sociais».(2)
«Espanha, 3º ou 4º
produtor mundial de fosfatos»
É no início dos anos 70 que a exploração de fosfatos em Bou
Craâ arranca. Segundo os telegramas diplomáticos, os Espanhóis, através da sociedade
Phosboucraâ, investiram 200 milhões de dólares à época em equipamentos e em instalações.
Em 1974, a mina produzia já 2,3 milhões de toneladas de rocha bruta, expedida
na sua maioria para Espanha. Madrid previa aumentar a capacidade de produção
para 10 milhões de toneladas ano. Um objetivo realizável «provavelmente no final de 1975», segundo um
telegrama diplomático oriundo de Espanha e com data de setembro de 1974. A
mesma fonte indica que as reservas provadas à época (1,7 mil milhões de toneladas),
permitiriam manter esse nível de produção em Bou Craâ durante 150 anos e fariam
da Espanha «o 3º ou 4º produtor mundial
de fosfatos, logo à frente ou atrás de Marrocos».
Bou Craâ, objeto de negociações
entre Madrid e Rabat
No decurso do ano de 1975, quando o abandono da Espanha se tornou
inevitável e Marrocos se foi posicionando para recuperar o território, enquanto
aguardava o veredicto do Tribunal Internacional de Justiça, os diplomatas
norte-americanos enfatizavam a importância da questão de fosfatos nas negociações
entre os dois países.
De acordo com assessores económicos estrangeiros sediados em
Rabat, citados num telegrama
datado de outubro de 1975, "quando
discussões sérias tiverem início sobre a exploração futura da mina de fosfatos de
Bou Craâ, então poder-se-á afirmar que o acordo sobre o Sahara está concluído.
"
Os diplomatas americanos analisam os benefícios que Marrocos
pode retirar: "A aquisição de um
monopólio de 80% das reservas mundiais de fosfatos sem entrar em linha de conta
com os EUA e a URSS, a eliminação de um concorrente cada vez mais importante e
o reforço do papel de Marrocos enquanto "formador de preço" no
mercado global de exportação".
Portanto, não é por coincidência que, durante o verão de
1975, o Director-Geral do OCP, Karim Lamrani, acompanha uma delegação de
diplomatas marroquinos a Madrid. O ministro espanhol das Finanças também
participa das discussões. Os diplomatas dos EUA revelam que Karim Lamrani
durante uma conversa privada, mencionou então uma "oferta formal"
feita Rabat ao Governo espanhol, garantindo a continuidade da participação
espanhola em Bou parte Craâ no quadro de um plano geral de acordo sobre o
futuro do território.
« Nesse momento, no
entanto, a Espanha não estava ainda pronta a discutir a retirada, e ainda menos
a sua parceria», refere a diplomacia americana.
Nova relação de força
depois da Marcha Verde
A Marcha Verde lançada por Hassan II a 6 de novembro de 1975,
objeto de numerosos telegramas diplomáticos, irá alterar a situação. Negociações
intensas com Madrid permitiram a paragem da marcha e a partida precipitada dos Espanhóis,
que acordam alguns dias mais tarde com Rabat e Nouakchott em firmar os acordos
de Madrid sobre a partilha do território. Os
diplomatas americanos notam a este propósito que o texto do acordo não
menciona qualquer transferência de soberania.
Marrocos tem em todo o caso o controlo militar de El Aaiún (o
conteúdo
do telegrama datado de dezembro de 1975 e intitulado «Ocupação militar marroquino de El Aaiún», não está consultável). De
acordo com os acordos de Madrid, Espanhóis, Marroquinos e Mauritanos partilham
entre si a administração provisória da cidade. No ano seguinte, em 1976, as tropas
espanholas abandonam definitivamente o território e o OCP adquire 65% do
capital da Phosboucraâ à Empresa Pública Espanhola (INI). Os detalhes
financeiros da operação não são conhecidos.
Maiores produtores de fosfatos a nível mundial
Uma mina «adormecida» desde 1976
O partenariado marroquino-espanhol em Bou Craâ vai durar até
2002, data em que o OCP compra a participação restante (35%) da NI. O OCP refere
que Phosboucraâ "continua a gerar perdas
financeiras desde a sua criação" (3).
Constata-se, no entanto, que o nível de produção obtido hoje
é mais ou menos o mesmo que o atingido em 1974, no momento em que os espanhóis previam
aumentar a breve prazo a produção anual para 10 milhões de toneladas.
Porque razão o OCP não desenvolveu a capacidade da mina?
Embora o nível de reservas (estimado agora em 1,1 mil milhões de toneladas(4))
façam de Bou Craâ uma das maiores jazidos de fosfatos do mundo, a situação
política e jurídica do território complica a exploração e dificulta a operação de
investimentos. Estes, ascenderam a 2 mil milhões de dólares em todo o período
1976-2010, de acordo com o OCP, ou seja: uma média de 60 milhões de dólares por
ano.
De 1976 até ao cessar-fogo de 1991, a Frente Polisario,
apoiada pela Líbia e Argélia, atacou repetidamente a esteira transportadora que
leva as rochas de Bou Craâ até ao porto de El Aaiún, interrompendo a produção.
Além disso, as multinacionais que compram a rocha bruta extraída de Bou Craâ são
regularmente interpeladas pelos lobbies pró-Polisario, como o Western Sahara
Resource Watch (WSRW), e alguns preferem abandonar as suas compras de "fosfatos
saharauis".
Marrocos, até agora, favoreceu o desenvolvimento de outras
instalações de produção e de transformação, em Jorf Lasfar e Safi, por exemplo,
onde o OCP pode valorizar os fosfatos no local (produção de fertilizantes
químicos e ácido fosfórico) em aliança com grandes grupos estrangeiros em joint-ventures industriais. Em 2011, o OCP
totalizou um Volume de Negócios de aproximadamente 6,6 mil milhões de dólares (5
mil milhões de Euros).
Primeiro exportador mundial de rocha bruta, o Estado
marroquino, que dispõe já de 50 mil milhões de toneladas de reservas nas bacias
de Khouribga e de Gantour, não tem forçosa necessidade – nem interesse – em desenvolver
as jazidas de Bou Craâ enquanto a questão do Sahara não estiver definitivamente
resolvida. A estratégia para 2010-2020 do OCP, que prevê um investimento de 115
mil milhões de Dihrams (1,35 mil milhões de Euros) está focada principalmente nas
atividades químicas - de maior valor acrescentado - através do desenvolvimento
do complexo de Jorf Lasfar.
(1) Présentation institutionnelle de l'OCP
sur Phosboucraâ (mars 2013)
(2) Economie & Entreprises, « Richesses
du Sahara : un mirage ? », janvier 2011
(3) Présentation institutionnelle de l'OCP
sur Phosboucraâ (mars 2013)
(4) World Phosphate Rock Reserve and
Resources (IFDC, 2010)
Publicado no jornal marroquino independente Lakome.com
10 de abril de 2013
Autor : Christophe Guguen
Quem escreveu essa paginem ignora visivelmente o assunto fosfato !!!
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