Entrevista ao Professor Santiago Jiménez sobre a Resolução do
Conselho de Segurança. O “Le Temps d’Algerie” entrevistou Santiago Jiménez tendo
como tema de fundo a recente aprovação da resolução do Conselho de Segurança
sobre o Sahara Ocidental. Santiago Jiménez é professor de História Medieval e
do Islão na Universidade de Santiago de Compostela e Vice-presidente da
Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Sahara (CEAS-Sáhara). A
sua formação como historiador e os seus interesses cívicos levaram-no a estudar
em profundidade a problemática histórica e sociopolítica do Magreb e as
culturas e formas de vida dos povos do deserto.
Como se explica o motivo
da iniciativa dos Estados Unidos a favor da defesa dos direitos humanos no Sahara
por parte da MINURSO, sabendo-se que Marrocos é seu aliado tradicional?
A atitude dos Estados Unidos é, por um lado, consequência de
uma maior sensibilidade da administração Obama e do seu atual Secretário de
Estado, John Kerry, em relação à legitimação e proteção baseada nos princípios
básicos do direito internacional e das pessoas; e, por outro, de pressão que sobre
a administração dos EUA exerceram os relatórios dos relatores das Nações Unidas
e do Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e os Direitos Humanos, dirigido
pela filha deste, Kerry Kennedy. Uma informação substancialmente comprovada tanto
pelo enviado e representante pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental,
Christopher Ross, como pelas informações obtidas nas visitas de membros da embaixada
americana em Rabat ao Sahara ocupado. Informações que estavam também já
refletidas no projeto de relatório do Secretário-Geral Ban Ki-moon.
A manutenção dessa aliança tradicional com Marrocos não passa,
necessariamente, pela defesa cega das posições marroquinas e, em maior grau, na
medida em que não avançam na busca de soluções, antes apostam na manutenção de
um status quo favorável às posições do
Estado marroquino, gerador de tensões e desestabilizador a curto e médio prazos.
Porque razão a
embaixadora Susan Rice acabou por modificar o seu projeto de resolução ?
Como sabem, é necessário que a proposta formulada pelos chamados
Amigos do Sahara, que pouco têm de verdadeiramente amistosos e instrumentos de mediação
(e antes mais de salvaguarda dos delicados equilíbrios políticos das grandes
potências), seja consensual e aceite unanimemente por todos eles. As reticências
de Espanha e a negativa matizada da França e da Rússia obrigavam à procura de possibilidades
alternativas. E, nesse caso, só era possível gerar uma recomendação genérica
que expressasse a preocupação de todos pelo respeito dos direitos humanos ou a
concessão da observação dos mesmos a um organismo como o ACNUR, que não tem nem
orçamento para realizar uma tarefa dessas características nem competências reais
para o fazer, nem uma capacidade executiva ante as possíveis violações que não
cessam de se produzir diária e quotidianamente ante o silêncio da comunidade
internacional. Essa é a responsabilidade
culposa de todos eles.
Com a posição defendida
pela França no “Grupo dos Amigos do Sahara”, parece claro que François Hollande
segue a linha da direita francesa de apoio à ocupação do Sahara. Qual é a sua opinião?
Em meu entender, mudaram certos matizes na linguagem do Governo
Hollande, mas a sua prática continua a responder a uma visão antiquada e
tradicional da questão que se centra na defesa extrema dos interesses franceses
em Marrocos e na proteção de um aliado fiel à francofonia frente e um povo saharaui
que nunca aceitou comodamente o domínio francês sobre a região (apostando, na época
colonial, na sua aproximação a Espanha) e a quem a França vê como inimigo. Uma
rejeição reforçada pela identificação desse povo ser especialmente protegido
pela Argélia, com quem a França não foi capaz de curar as velhas feridas e
construir uma política conjunta de respeito, de convivência e de benefício
mútuos. Enquanto a França não assumir corajosamente nenhuma mudança para uma
política mais equilibrada em relação ao Magrebe e mantiver o direito de veto na
ONU, qualquer solução equitativa e consistente com o direito será praticamente
impossível.
A atividade da frota russa no banco canário-sahariano terá influenciado a posição do Governo de Moscovo... |
Em sua opinião, como
se justifica a posição da Rússia de recusa da proposta americana ainda que
continue a apoiar a autodeterminação do povo saharaui?
Não me considero um especialista em relação à política russa
e temo que careça de informações suficientes para valorar adequadamente esta questão.
Em todo o caso, parece que na posição russa poderão ter incidido os seus
interesses concretos sobre temas pesqueiros e a atividade da sua frota no banco
canário-sahariano que, em dado momento, foi convidada a abandonar a zona pelas
organizações não-governamentais que defendem a preservação dos recursos naturais
do Sahara. Talvez, por outro lado, tenha pesado na sua decisão o facto de considerar
que uma aceitação da proposta norte-americana possibilitasse um maior prestígio
e protagonismo dos Estados Unidos na região, com possíveis repercussões na política
global do Sahara e do Sahel, e também, hoje em dia, em toda a África e a nível
do mundo.
A imprensa espanhola disse
que a Espanha usa um duplo discurso. Por um lado apela à proteção dos direitos humanos
na sua antiga colónia e, por outro, o ministro dos Negócios Estrangeiros García-Margallo
considera “não viável” tal missão atribuída
à MINURSO. O que teme exatamente o governo
Rajoy?
Todos os governos espanhóis, e também o atual, em relação à
questão saharaui, se refugiaram num linguagem ambígua e numa prática nada
resolutiva que, em dados momentos, nem sequer se ajusta àquela. E esta é uma
postura recorrente, que resulta de dar prioridade a interesses geoestratégicos
defensivos e, sobretudo, consequência de favorecer os interesses de um poderoso
lobby pro-marroquino e à defesa dos seus
interesses particulares face à representação do Estado como coletividade. As
políticas de grupo ou de facção sobrepõem-se aos interesses gerais e aos grandes
princípios.
Espanha ignora as suas responsabilidades legais como
potência administrante de jure do Sahara
Ocidental e os compromissos daí decorrentes face à descolonização do
território. Qualquer outra atitude favorece a conquista militar e a anexação do
mesmo por parte de Marrocos que recusa a livre expressão da vontade do povo
saharaui sobre o seu destino.
Dito isto, não creio que o Sr. Margallo insinue que a MINURSO
é um organismo ineficaz quando o seu mandato vai ser prolongado por mais um ano
pela ONU, mas sim que os direitos humanos dos saharauis devem continuar a ficar
desprotegidos, tal como o estão atualmente, e submetidos à arbitrariedade da
justiça dos seus invasores, subjugados ao domínio de outros em vez de amparados
pela lei e pelo direito.
Os temores do governo de Rajoy são, no fundo, semelhantes
aos que têm condicionado a atitude dos diferentes governos desde 1975, com
algumas diferentes ‘nuances’ pouco significativas. A defesa da legitimidade da
ocupação de Ceuta e Melilla, o tráfico de emigrantes africanos para a costa
espanhola, o tráfico de estupefacientes para a Europa por rotas africanas ou a
colaboração na guerra contra o terrorismo e, em particular, contra o terrorismo
jihadista ... são as razões que parecem justificar uma atitude passiva e pouco responsável.
Nem a proteção dos direitos justos, nem a ajuda ao
desenvolvimento ou, em casos de catástrofe, nem a proteção da segurança
internacional deveriam estar sujeitas ao jogo de interesses entre os Estados, mas
antes resultarem de uma prática comum de respeito, de solidariedade e de apoio
mútuo perante o perigo ou a desgraça. Qualquer outra atitude, comum hoje em dia
na comunidade internacional, só faz aumentar as tensões e desconfianças num
mundo chamado à tarefa comum de sobrevivência e bem-estar para todos.
Fonte: Le Temps d’Algerie / Por Hania A.
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