domingo, 28 de abril de 2013

Contributos para a compreensão sobre o que se passou no Conselho de Segurança




Entrevista ao Professor Santiago Jiménez sobre a Resolução do Conselho de Segurança. O “Le Temps d’Algerie” entrevistou Santiago Jiménez tendo como tema de fundo a recente aprovação da resolução do Conselho de Segurança sobre o Sahara Ocidental. Santiago Jiménez é professor de História Medieval e do Islão na Universidade de Santiago de Compostela e Vice-presidente da Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Sahara (CEAS-Sáhara). A sua formação como historiador e os seus interesses cívicos levaram-no a estudar em profundidade a problemática histórica e sociopolítica do Magreb e as culturas e formas de vida dos povos do deserto.  

Como se explica o motivo da iniciativa dos Estados Unidos a favor da defesa dos direitos humanos no Sahara por parte da MINURSO, sabendo-se que Marrocos é seu aliado tradicional?

A atitude dos Estados Unidos é, por um lado, consequência de uma maior sensibilidade da administração Obama e do seu atual Secretário de Estado, John Kerry, em relação à legitimação e proteção baseada nos princípios básicos do direito internacional e das pessoas; e, por outro, de pressão que sobre a administração dos EUA exerceram os relatórios dos relatores das Nações Unidas e do Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e os Direitos Humanos, dirigido pela filha deste, Kerry Kennedy. Uma informação substancialmente comprovada tanto pelo enviado e representante pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental, Christopher Ross, como pelas informações obtidas nas visitas de membros da embaixada americana em Rabat ao Sahara ocupado. Informações que estavam também já refletidas no projeto de relatório do Secretário-Geral Ban Ki-moon.

A manutenção dessa aliança tradicional com Marrocos não passa, necessariamente, pela defesa cega das posições marroquinas e, em maior grau, na medida em que não avançam na busca de soluções, antes apostam na manutenção de um status quo favorável às posições do Estado marroquino, gerador de tensões e desestabilizador a curto e médio prazos.
 
A embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice
Porque razão a embaixadora Susan Rice acabou por modificar o seu projeto de resolução ?

Como sabem, é necessário que a proposta formulada pelos chamados Amigos do Sahara, que pouco têm de verdadeiramente amistosos e instrumentos de mediação (e antes mais de salvaguarda dos delicados equilíbrios políticos das grandes potências), seja consensual e aceite unanimemente por todos eles. As reticências de Espanha e a negativa matizada da França e da Rússia obrigavam à procura de possibilidades alternativas. E, nesse caso, só era possível gerar uma recomendação genérica que expressasse a preocupação de todos pelo respeito dos direitos humanos ou a concessão da observação dos mesmos a um organismo como o ACNUR, que não tem nem orçamento para realizar uma tarefa dessas características nem competências reais para o fazer, nem uma capacidade executiva ante as possíveis violações que não cessam de se produzir diária e quotidianamente ante o silêncio da comunidade internacional. Essa é a responsabilidade culposa de todos eles.
 
França: "uma visão antiquada
e tradicional do Magrebe"
Com a posição defendida pela França no “Grupo dos Amigos do Sahara”, parece claro que François Hollande segue a linha da direita francesa de apoio à ocupação do Sahara. Qual é a sua opinião?

Em meu entender, mudaram certos matizes na linguagem do Governo Hollande, mas a sua prática continua a responder a uma visão antiquada e tradicional da questão que se centra na defesa extrema dos interesses franceses em Marrocos e na proteção de um aliado fiel à francofonia frente e um povo saharaui que nunca aceitou comodamente o domínio francês sobre a região (apostando, na época colonial, na sua aproximação a Espanha) e a quem a França vê como inimigo. Uma rejeição reforçada pela identificação desse povo ser especialmente protegido pela Argélia, com quem a França não foi capaz de curar as velhas feridas e construir uma política conjunta de respeito, de convivência e de benefício mútuos. Enquanto a França não assumir corajosamente nenhuma mudança para uma política mais equilibrada em relação ao Magrebe e mantiver o direito de veto na ONU, qualquer solução equitativa e consistente com o direito será praticamente impossível.
 
A atividade da frota russa no banco canário-sahariano
terá influenciado a posição do Governo de Moscovo...
Em sua opinião, como se justifica a posição da Rússia de recusa da proposta americana ainda que continue a apoiar a autodeterminação do povo saharaui?

Não me considero um especialista em relação à política russa e temo que careça de informações suficientes para valorar adequadamente esta questão. Em todo o caso, parece que na posição russa poderão ter incidido os seus interesses concretos sobre temas pesqueiros e a atividade da sua frota no banco canário-sahariano que, em dado momento, foi convidada a abandonar a zona pelas organizações não-governamentais que defendem a preservação dos recursos naturais do Sahara. Talvez, por outro lado, tenha pesado na sua decisão o facto de considerar que uma aceitação da proposta norte-americana possibilitasse um maior prestígio e protagonismo dos Estados Unidos na região, com possíveis repercussões na política global do Sahara e do Sahel, e também, hoje em dia, em toda a África e a nível do mundo.

A imprensa espanhola disse que a Espanha usa um duplo discurso. Por um lado apela à proteção dos direitos humanos na sua antiga colónia e, por outro, o ministro dos Negócios Estrangeiros García-Margallo considera “não  viável” tal missão atribuída à MINURSO.  O que teme exatamente o governo Rajoy?

Todos os governos espanhóis, e também o atual, em relação à questão saharaui, se refugiaram num linguagem ambígua e numa prática nada resolutiva que, em dados momentos, nem sequer se ajusta àquela. E esta é uma postura recorrente, que resulta de dar prioridade a interesses geoestratégicos defensivos e, sobretudo, consequência de favorecer os interesses de um poderoso lobby pro-marroquino e à defesa dos seus interesses particulares face à representação do Estado como coletividade. As políticas de grupo ou de facção sobrepõem-se aos interesses gerais e aos grandes princípios.

Espanha ignora as suas responsabilidades legais como potência administrante de jure do Sahara Ocidental e os compromissos daí decorrentes face à descolonização do território. Qualquer outra atitude favorece a conquista militar e a anexação do mesmo por parte de Marrocos que recusa a livre expressão da vontade do povo saharaui sobre o seu destino.

Dito isto, não creio que o Sr. Margallo insinue que a MINURSO é um organismo ineficaz quando o seu mandato vai ser prolongado por mais um ano pela ONU, mas sim que os direitos humanos dos saharauis devem continuar a ficar desprotegidos, tal como o estão atualmente, e submetidos à arbitrariedade da justiça dos seus invasores, subjugados ao domínio de outros em vez de amparados pela lei e pelo direito.
 
"Espanha ignora as suas responsabilidades legais
como potência administrante..."


Os temores do governo de Rajoy são, no fundo, semelhantes aos que têm condicionado a atitude dos diferentes governos desde 1975, com algumas diferentes ‘nuances’ pouco significativas. A defesa da legitimidade da ocupação de Ceuta e Melilla, o tráfico de emigrantes africanos para a costa espanhola, o tráfico de estupefacientes para a Europa por rotas africanas ou a colaboração na guerra contra o terrorismo e, em particular, contra o terrorismo jihadista ... são as razões que parecem justificar uma atitude passiva e pouco responsável.

Nem a proteção dos direitos justos, nem a ajuda ao desenvolvimento ou, em casos de catástrofe, nem a proteção da segurança internacional deveriam estar sujeitas ao jogo de interesses entre os Estados, mas antes resultarem de uma prática comum de respeito, de solidariedade e de apoio mútuo perante o perigo ou a desgraça. Qualquer outra atitude, comum hoje em dia na comunidade internacional, só faz aumentar as tensões e desconfianças num mundo chamado à tarefa comum de sobrevivência e bem-estar para todos.

Fonte: Le Temps d’Algerie / Por Hania A.

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