Omar Radi(1) , jornalista e fundador do movimento de contestação
M20, traça um balanço pouco lisonjeiro das reformas levadas a cabo pelo regime
marroquino. Entrevista.
Na tormenta das revoluções árabes, Marrocos manteve relativamente
calmo. Mais de um ano depois da organização das eleições ganhas pelos islamitas
do PJD (Partido da Justiça e do Desenvolvimento), o regime enfrenta uma
contestação social crescente. Em causa, o aumento de impostos sobre bens
essenciais e restrições às liberdades públicas. Omar Radi, jornalista e
fundador do movimento de contestação M20 (Movimento "20 de fevereiro",
data da primeira manifestação), faz o balanço para o "Nouvel
Observateur".
Você tem sido um dos
líderes do protesto em Marrocos desde o início de 2011, com a criação do M20. Onde está hoje essa contestação?
- O M20 tem semeado sementes para mais tarde. Hoje, o
movimento está muito enfraquecido. Ele já não é capaz de assumir a liderança da
contestação marroquina. Muitos dos líderes operários do grupo estão na prisão,
o que quebrou essa dinâmica. Estamos presos e manietados. Os media marroquinos, quando não nos
caluniam, deixaram de divulgar as nossas informações. Acusam-nos de querer
semear a discórdia e causar a instabilidade no país. A oposição parlamentar não
se opõe, não há debate.
Que formas toma a contestação
?
- Na rua, a raiva dos cidadãos exprime-se de forma histérica.
Não há oposição popular institucional ou organizada. As poucas estruturas
associativas não conseguem gerir as coisas à escala nacional e, assim, criar uma
relação de força com o regime do rei Mohamed VI. As pessoas foram quebradas e
temo que eles carreguem consigo um potencial de violência que poderá explodir
se a situação social se degradar, se não houver dinheiro para pagar aos
funcionários públicos, se houver uma escassez gás...
Nos centros urbanos, é difícil reunir as pessoas. Mas o povo
das montanhas, a leste e sul mobilizam-se cada vez mais. Observa-se um aumento
dos distúrbios. A economia marroquina vai mal, o regime é arrogante, semeia a
divisão no Sahara Ocidental. O desconforto é sentido.
O mal-estar sente-se. Há o risco de não haver ninguém que
canalize e guie essa revolta.
Que balanço faz das
reformas empreendidas pelo regime desde 2011 ?
- O regime político marroquino foi prudente e inteligente,
ao contrário de outros países da região, como o Egito e a Tunísia. Não disparou
sobre a multidão, conseguiu conter a ira da população. Vinte dias após a
primeira grande manifestação nacional de 20 de fevereiro, o rei Mohamed VI
propôs uma mudança da Constituição. A notícia foi bem recebida. Pela primeira
vez em décadas, uma luta de poder com o regime havia-se instalada em Marrocos. Até
então , ninguém podia criticar a monarquia.
Mas não se tinham ilusões quanto ao resultado do processo
político que ia começar. Nós continuámos a mobilizar. Desde logo nos apercebemos
que a Comissão que tinha sido nomeada para rever a Constituição era composta
por antigas personalidades ligadas ao regime e que os constitucionalistas sérios
tinham sido excluídos. Resultado: um projeto de Constituição que não passa realmente
de uma “maquilhagem” da Constituição de 1996, adotada no reinado de Hassan II.
Que mudanças trouxe e
nova Constituição ?
- Ela obriga o rei a nomear o primeiro-ministro entre os
membros do partido que ganha as eleições. Mas ainda não há separação de
poderes, o rei continua a ser o primeiro mandatário, o juiz de primeira
instância, o primeiro Imã, quem decide a política interna, a política externa, a
segurança e a economia. Todas as nomeações de altos funcionários têm que ser
aprovadas pelo rei.
O governo Abdelilah
Benkirane não deveria ser um baluarte face à monarquia ?
- Queríamos acreditar no processo político, mas no dia em
que o PJD venceu as eleições, ele recrutou conselheiros reais. Um governo
sombra surgiu e todos os assuntos importantes continuaram a ser tratados por órgãos não eleitos, composto por
esses conselheiros reais. Ora a estes, a nova Constituição não lhes concede qualquer
atribuição ...
Quanto a Abdelilah Benkirane, ele não tem qualquer poder. Está
desacreditado. Após a chegada ao governo, tornou-se um corretor, aquele que
implementa à letra as decisões dos assessores reais. Mas mesmo se dececiona,
ele continua a ter popularidade entre as classes mais pobres, porque é muito
carismático.
A organização Human
Rights Watch apelou a Marrocos a aprofundar as suas reformas em matéria de
direitos humanos. Qual é a sua vida como ativista ?
- A situação dos Direitos do Homem e das liberdades públicas
degradou-se claramente desde 2011. Agora que a contestação regrediu e que a resistência
da rua recuou, o regime permite-se a tudo. As manifestações são quase sistematicamente
reprimidas e uma centena de pessoas foram presas em 2012 por razões políticas. Mesmo
as atividades intelectuais e culturais são cada vez mais proibidas... Temos um
discurso único no espaço público. Todos aqueles que recusam as regras são
excluídos e maltratados. Tivemos uma contra-revolução.
Aproveitando-se da fraqueza da contestação, foram aplicadas reformas
impopulares. No plano económico, por exemplo, continuamos a funcionar sob as reformas
de Hassan II, que datam de meados da década de 1990. As implementadas no início
da era de Mohamed VI, como o Plano de Emergência (para impulsionar o setor
industrial), e sobre o turismo, mostraram os seus limites. Os preços aumentaram,
foram eliminados os mecanismos do Fundo de Compensação (sistema de subvenção,
em particular), aprovada uma lei para limitar a greve.
Sobre a questão dos serviços públicos, da saúde ou da
educação, estamos atrás do Iraque, do Iémen e do Zimbabwe! No Sahara, o
desenvolvimento económico estagnou. O fosso entre ricos e pobres aumentou
consideravelmente. Estamos longe dos países vizinhos. E a comunidade
internacional aplaudiu as reformas.
François Hollande está
em Marrocos durante dois. Espera que ele possa colocar pressão sobre o regime
quanto a essas questões ?
- Não espero nada de um presidente francês que continua a
apoiar reformas impopulares, como o Comboio de Alta Velocidade. Este projeto,
que seduz os grandes patrões franceses, vai-nos custar 5 mil milhões de euros...
E depois os assunto que vão estar no cerne do programa da sua visita, como as
questões geoestratégicas do Mali, vão eclipsar todas as questões sobre os
Direitos do Homem. Que esperar de uma França que, em 2011, recusou que as Nações
Unidas enviassem observadores para a região do Sahara. Que esperar de uma
França que expulsa do seu território tantos marroquinos, apesar de já não estar
sob o poder de Nicolas Sarkozy. A mudança terá que vir de dentro de Marrocos.
Omar Radi tem 25 anos,
jornalista e militante do Movimento do 20 Fevereiro. Membro da Association pour
la Taxation des Transactions Financières et pour l’Action Citoyenne (ATTAC) e
da Association Marocaine pour les Droits de l’Domme (AMDH). Estudou Economia e
Sociologia, vive em Rabat.
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